quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

É assim, fica assado

Depois de um mês em que estive para falar do assunto, mas fiquei sempre parado a reflectir ou a fazer outras coisas, venho finalmente pronunciar-me sobre a praxe. Uma vez disse que era uma seca, mas mesmo assim sendo dá que pensar.

A primeira coisa que tenho a dizer é que a maior parte do que se faz na praxe não faz sentido: o tratamento dos caloiros como "burros" e o seu consequente rebaixamento (no que incluo tudo desde berrar-lhes a mandá-los fazer flexões. A sério, quem teve essa ideia devia ser assado no espeto, e eu sou piamente contra a pena de morte), as brincadeiras parvas e músicas tão carregadas de asneiras que se passassem na TV seriam reduzidas a "piiiiiiiiiiiii", a necessidade quase constante de picar outros cursos, e a aparente filosofia da parte de alguns doutores de que os caloiros têm mas é que aguentar com tudo e mais alguma coisa, mesmo que fiquem, sei lá, estou aqui a tirar um exemplo sem conexão nenhuma à realidade, cheios de fome.

Convém, porém, dizer já que a praxe na FEUP (na FEUP, porque em certos sítios mais a sul a coisa está bem mais negra do que o que eu descrevi), não é tão má quanto parecerá pelo parágrafo anterior. Vi algumas actividades razoavelmente interessantes desenvolverem-se e participei em várias. Creio que o espírito da praxe aqui é promover o espírito de união entre os caloiros, se bem que de uma forma bastante perversa. Pelo que vejo à minha volta, está a cumprir o seu objectivo. Mesmo a mim deve ter ajudado alguma coisa, nem que seja de forma indirecta.

O principal problema que eu tenho com a praxe não é o espírito que lhe está subjacente. O problema está na forma como esse espírito tem vindo a ser expresso, e que, lamentavelmente, tem vindo a ser mantida por gerações de estudantes, aparentemente apenas por se tratar de uma tradição. Das duas uma, ou a praxe como a conhecemos preserva-se unicamente por ser tradição, o que é absurdo, ou ninguém ao longo dos anos conseguiu inventar uma maneira melhor de integrar os caloiros na vida académica do que humilhá-los e "torturá-los" psicologicamente, o que é perturbador.

Claro, sempre houve pessoas a criticar a praxe, hoje mais do que nunca, mas o seu impacto tem sido muito reduzido. A praxe parece ser muito mais resistente aos efeitos do tempo do que a maioria dos ritos de iniciação, que já caíram em desuso ou estão lá perto. Não consigo entender o motivo disso... Há assim tantos caloiros que gostam tanto da praxe que ficam com vontade de praxar outros? Já ouvi colegas meus a dizer que sim, que querem praxar quando chegarem ao 2º ano. Tenho que lhes perguntar o que lhes anda a passar pela cabeça um dia destes. Se alguém ler isto e me conseguir esclarecer, agradeço.

Posto isto, digo o seguinte: quem é anti-praxe nunca tendo nela participado é estúpido. É perfeitamente aceitável criticá-la, e há muitos motivos para o fazer, mas não se deve criticar sem ter uma opinião informada sobre o assunto. Informações de segunda ou terceira mão não chegam, e mesmo de primeira podem não ser muito fiáveis porque os gostos variam de pessoa para pessoa. A única forma de saber se realmente se gosta da praxe ou não é indo.

Essencialmente, o que eu penso é que a praxe precisa de mudar para algo bastante diferente. Uma vez, alguém disse que a praxe é feita de momentos*. Devia era ser assim desde o princípio e não depois de um mês de rídiculo. Se isso acontecesse e os estudantes se desapegassem da hierarquia podre da praxe, haveria muito menos gente a fazer-lhe oposição pelo simples motivo de que não haveria quase nada a criticar.

Quero frisar que esta é apenas a minha opinião. Há quem concorde com ela e quem discorde. Quem quer ir à praxe é livre de ir e quem quiser praxar é livre de praxar quem quiser ser praxado. Eu, pessoalmente, vou manter-me neutro. Não trajarei nem praxarei no próximo ano. Já não vou à praxe desde o baptismo, principalmente porque já me cansei dela (apesar de agora se ter tornado mais interessante). Pela parte que me toca, a praxe acabou.

A não ser claro, que eu resolva reaparecer temporariamente na Queima ;)

* Defino momentos como actividades que possuam um valor lúdico e/ou instrutivo e que não sejam um completo disparate nem tenham como objectivo rebaixar os caloiros.

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